Governo aposta no fiado
para esconder fracassos

A agência de notação financeira Moody’s (que, como o Governo do MPLA sabe muito bem, não percebe nada do assunto) considera que Angola está entre os países mais susceptíveis a um choque financeiro devido à mudança na estrutura da dívida, que, juntamente com Moçambique, ultrapassa os 100% do Produto Interno Bruto (PIB).

“A mudança na composição dos credores aumentou os riscos de crédito em vários países, num contexto de maior acesso aos mercados de capitais, as emissões domésticas e internacionais de títulos de dívida aumentaram, enquanto a percentagem de empréstimos de instituições multilaterais caiu”, escrevem os analistas da Moody’s.

A agência refere a República do Congo, Moçambique, Zâmbia, Gana, Angola e Quénia como os países mais expostos a esta mudança.

“Apesar de ter havido uma diversificação das fontes de financiamento, aumentado o escrutínio dos investidores sobre a política macroeconómica e orçamental, e também ter garantido para o muito necessário financiamento ao desenvolvimento, também aumentou a exposição às condições globais de financiamento, amplificou a exposição às variações cambiais, como em Angola, e aumentou os riscos de refinanciamento da dívida, como na Zâmbia”, diz a Moody’s.

Num comentário enviado aos clientes, os analistas alertam que Angola e Moçambique são os dois países, dos 16 analisados na África subsaariana, onde a percentagem de dívida sobre o PIB, acima dos 100%, é a mais elevada.

A dívida aumentou e “a capacidade de a pagar deteriorou-se”, avisam, apontando que “a dívida pública representa agora mais de 50% do PIB em mais de metade dos países” analisados pela Moody’s nesta região e, ao mesmo tempo, “o aumento da dependência de credores privados enfraqueceu as métricas na maioria dos casos”.

Angola e Moçambique, dizem os analistas, foram os dois países que mais viram o rácio da dívida sobre o PIB aumentar, representando, em ambos os casos, valores acima dos 100% do PIB.

Para além dos valores, os analistas chamam também a atenção para as fragilidades na gestão da dívida pública, notando que mais de um terço da dívida angolana é emitida em moeda estrangeira, tornando este país o mais vulnerável a choques no mercado cambial, como aconteceu no ano passado.

No caso de Moçambique, a Moody’s salienta que “as notáveis deficiências no reporte de dados e em particular nas dívidas de empresas públicas não divulgadas contribuíram para o incumprimento financeiro”, acrescentando que “apesar de progresso nalgumas áreas, como a emissão de garantias soberanas, a capacidade de gestão da dívida em Moçambique continua fraca, particularmente no que diz respeito à supervisão das empresas públicas”.

A subida da dívida pública face ao PIB na África subsaariana tem sido um dos temas mais desenvolvidos nos relatórios sobre esta região, devido ao perigo que isso coloca às economias relativamente à capacidade de fazerem os investimentos públicos necessários ao desenvolvimento e, ao mesmo tempo, terem margem orçamental suficiente para honrar os compromissos financeiros.

A Moody’s atribui a Angola uma notação de B3, com Perspectiva de Evolução Estável, e a Moçambique uma opinião de crédito de Caa2, Estável, ambas abaixo da recomendação de investimento.

Já no passado dia 11, a agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P) manteve o ‘rating’ de Angola em B- (lixo), piorando a perspectiva de evolução de estável para negativa, com a dívida pública a ficar nos 99% do Produto Interno Bruto este ano.

Para dar a volta ao problema, João Lourenço negociou (mais) uma linha de crédito de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) com o banco alemão KfW IPEX-Bank para financiar projectos de investimento público.

“A perspectiva de evolução negativa reflecte a possibilidade de uma descida se o alto nível de dívida pública do Governo tornar insustentáveis as necessidades de financiamento, ou se as pressões orçamentais ou externas levarem a défices gémeos [externo e orçamental] maiores do que o previsto”, lê-se na nota da S&P.

Na explicação da revisão do ‘rating’, que é mantido em B-, ou seja, abaixo da recomendação de investimento (lixo, como geralmente é conhecido), os analistas da Standard & Poor’s sublinham que “o peso da dívida tem subido rapidamente” e apontam que “a dívida subiu de 88,6% do PIB em 2018 para os 103% do PIB em 2019, quando estava nos 30% em 2014”.

Esta forte subida entre 2018 e 2019 “resultou, principalmente, da queda de mais de 56% no valor do kwanza”, adiantam, mas nos próximos anos a expectativa dos analistas é que a dívida desça.

“Esperamos que a acumulação de dívida desça até ao final de 2023, assumindo que o Governo mantém os compromissos de consolidação orçamental num contexto de uma depreciação mais lenta do kwanza”, lê-se na nota que acompanha a descida da perspectiva de evolução do ‘rating’ de Angola, que coloca a dívida nos 92% em 2023 e que o custo dos pagamentos represente “27,8% da receita, em média, entre 2020 e 2023”.

A nível macroeconómico, a S&P espera que Angola regresse ao crescimento já este ano, com uma expansão de 1% do PIB, depois de no ano passado ter visto novamente a riqueza contrair-se em 1,1%.

Para 2021 é prevista uma aceleração para os 1,5%, e depois 2,5% no ano seguinte e 2,8% em 2023, bem abaixo dos 4,8% registados em 2014, ano em que a descida do preço do petróleo fez a economia de Angola abrandar, primeiro, e recuar, depois.

A taxa de desemprego, no entanto, ficará nos 35% até ao final de 2023 e a taxa de crescimento “per capita”, que mede a riqueza distribuída por cada habitante, será sempre negativa até 2023, significando que o crescimento da economia não chegará para melhorar a vida de todos os angolanos.

Enquanto isso, o governo negociou uma linha de crédito de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) com o banco alemão KfW IPEX-Bank para financiar projectos de investimento público.

Segundo o despacho presidencial datado de 6 de Fevereiro, que aprova o acordo-quadro de financiamento a ser assinado pela ministra das Finanças, a concessão deste crédito enquadra-se na necessidade de garantir a continuidade do programa do governo no que toca à execução de projectos inseridos no Programa de Investimentos Públicos. O despacho assinado por João Lourenço menciona ainda a estratégia do executivo no que concerne à diversificação das fontes de financiamento destes projectos virados para o desenvolvimento económico e social do país.

O KfW IPEX-Bank é uma subsidiária do grupo KfW direccionada para apoiar projectos internacionais e financiamento à exportação.

Folha 8 com Lusa

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